O ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco propõe aos angolanos a alternativa “da cidadania, da intervenção social”. Entre a continuação do regime, que considera marcado pela “arrogância” e o nepotismo, e uma revolução violenta, como as do norte de África.
Marcolino Moco, que foi também o primeiro secretário-executivo da CPLP, considera que a sua alternativa, que frisou não ser um manifesto político-partidário, pode devolver a Angola a utilidade da política enquanto instrumento de desenvolvimento e não de projecto personalizado, como considera estar a ser actualmente desenvolvida.
“A primeira alternativa é esta presente, sermos governados por pessoas que acham que somos cegos, que não estamos a ver. Um dos princípios da democracia ocidental, que não deve ser negligenciado, é o princípio da alternância e o problema do Presidente José Eduardo dos Santos é que ele está há 37 anos, vai fazer 38 anos, no poder”, salientou.
Antigo secretário-geral do MPLA, partido de que é actualmente apenas militante, Marcolino Moco teceu fortes críticas a José Eduardo dos Santos, cuja longevidade no poder o fez perder a sensibilidade de que “o poder está no povo”.
“Ele (José Eduardo dos Santos) e as pessoas que estão a sua volta – também não são fixas, aí uma ou duas pessoas são sempre as mesmas, há uns que saem, entram, saem -, que de tanto estar no poder já perderam a sensibilidade que o poder é do povo, que os bens, o petróleo, o Banco Nacional, a televisão pública, isso é do povo”, acrescentou.
A manter-se esta insensibilidade, a possibilidade de convulsões sociais é grande, cujo primeiro sinal Marcolino Moco considera ter sido dado pelas manifestações de rua antigovernamentais que marcaram a realidade sociopolítica de Angola, sobretudo desde 2011.
A alternativa que defende constitui um desafio à sociedade angolana para o debate.
“Provavelmente, tenho um defeito: fui sempre homem de convicções demasiado profundas. Mas tenho uma virtude: nunca acreditei que algum homem fosse capaz de trazer soluções definitivas. Por isso, como sempre, o texto que vos apresento pode ser a abertura para um debate e não um conjunto de ideias acabadas”, escreveu no seu blogue, na apresentação das suas ideias.
Marcolino Moco receia que os jovens que protagonizaram as manifestações de 2011 elevem o seu nível da contestação, reproduzindo em Angola as convulsões que modificaram o cenário político no norte de África, na Tunísia, Egipto e Líbia.
“Não devemos ter medo de abordar os problemas. Esta proposta vem justamente nesse sentido, por isso poderá ser abraçada pelos jovens. Ou não. Se os jovens a abraçarem vão para a terceira alternativa, se não, isso tudo se a primeira alternativa continua na teimosia, na sua arrogância de que pode tudo, é dona do país, é evidente isso que está aqui escrito não vai evitar nada, a explosão da segunda alternativa por onde os jovens poderão enveredar”, considerou.
Marcolino Moco acrescentou que os manifestantes “estão a ser reprimidos, a ser sujeitos a sevícias, as suas manifestações pacíficas são infiltradas por indivíduos da segurança do estado, de forma clara”.
“Portanto quem tem que escolher é quem está no poder hoje”, acentuou.
Marcolino Moco é da opinião que os problemas em Angola radicam na “longevidade do Presidente (no poder), no enriquecimento sem causa das pessoas ao lado do Presidente, no culto da personalidade”.
“A terceira alternativa é uma contribuição, é uma tentativa a ver se encontramos caminhos em que a política seja útil à sociedade, porque desta maneira a política não é útil”, afirmou.
Eduardo dos Santos é mestre na manipulação
O Presidente José Eduardo dos Santos “manipula” dignitários católicos para consolidar o seu poder político, acusou em tempos Marcolino Moco.
“Eu vou dizer isso claramente e pode escrever: os clérigos quimbundos (região de Luanda e norte de Angola) da Igreja Católica estão a ser manipulados pelo Presidente, que diz: ‘se vocês deixarem que a Rádio Ecclesia vá para todo o país, depois nós vamos entregar o poder aos nossos inimigos’. O inimigo é a UNITA, são os ovimbundos (etnia do centro-sul de Angola)”, disse Marcolino Moco.
Em causa está a continuada impossibilidade legal da emissora católica angolana emitir em todo o país.
“Eu fui educado na Igreja Católica. Os bispos todos me conhecem. Estamos a passar essa pouca vergonha de aceitar que o (Presidente) José Eduardo (dos Santos) impeça a Rádio Ecclesia de ser transmitida em todas as províncias do país enquanto as rádios da sua filha estão a expandir-se pelo país. Tem uma televisão também, a TV Zimbo”, acrescentou.
Marcolino Moco referia-se à Rádio Mais e à TV Zimbo, órgãos que integram o maior grupo editorial angolano, o Media Nova.
“Alguns são parentes do Presidente. Mas pode mesmo escrever isso. Eles são familiares, são parentes, e depois querem impor o seu modelo, que ninguém está contra. Eu não sou contra ninguém que seja quimbundo”, acrescentou Marcolino Moco, nascido em 1953 no Huambo, Planalto Central de Angola, sendo por essa razão um Ovimbundo.
Defensor de que não devem existir tabus, designadamente os de ordem étnica, Marcolino Moco classifica como “gravíssimo” que se queiram impor “idiossincrasias” a outros povos.
“É um problema que as pessoas não querem debater. Por exemplo, os bispos de outros grupos étnicos em Angola têm receio de abordar isso abertamente por causa das hierarquias. Mas é uma realidade e é perigoso em relação ao futuro, porque é adiar problemas”, defendeu.
Favores de José Eduardo dos Santos à família são escandalosos
Marcolino Moco considera “escandalosos” os favores que o Presidente José Eduardo dos Santos presta à família, designadamente a concessão de exploração do segundo canal e do canal internacional da televisão pública de Angola, acrescentando que são situações que deveriam merecer repúdio e que constituem “uma vergonha” para a sua geração de políticos.
Crítico assumido de José Eduardo dos Santos, o antigo secretário-geral (1991/92) do MPLA, partido no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975, é de opinião que existe agora em Angola um “culto de personalidade mais acentuado que no tempo do partido único”.
“Há um culto de personalidade mais acentuado do que havia no partido único. Há o silenciamento de tudo o que se faz de ruim por parte da Presidência da República, porque o partido foi transformado num protector: fala-se por exemplo em desvios de dinheiro, escandalosos, mas aparece o partido a fazer manifestações em favor de Sua Excelência o Senhor Presidente”, destacou.
À pergunta se ainda fala com José Eduardo dos Santos, com quem trabalhou lado a lado durante vários anos, Marcolino Moco respondeu: “Falo com ele à distância.”
“Em Angola, a política hoje é encarada como um jogo sujo, de podermos fazer tudo. Tomamos conta do poder, manipulamos, não o largamos. Costumo dizer que quem passa pelo Governo sempre aproveita alguma coisa, mas não pode haver exagero”, sublinhou.
Mas para Marcolino Moco aquele conceito é hoje levado a um “exagero terrível” em Angola.
“As pessoas estão a pensar que isso é normal, mas eu convido as pessoas, por exemplo, em relação a essa coisa da televisão. Eu pedi às pessoas que imaginassem que o (Presidente Aníbal) Cavaco Silva entregasse o canal dois da RTP ao seu filho. Imaginem”, acrescentou.
“A sociedade civil está amedrontada: fantasmas do passado, as mortes de 1974/75, as mortes de 1992 (reinício da guerra civil angolana) com as questões étnicas. Angola é a colónia mais aportuguesada, aquela em que as culturas autóctones mais foram reprimidas. É o país onde menos se falam línguas africanas nas ruas, então há uma hibernação do aspecto étnico-tradicional, mas que funciona depois nas manipulações, entre quatro paredes”, frisou.
Contudo, a ligação a Portugal, antiga potência colonial, é um facto e que merece ser alimentado. “Nós africanos não podemos ter dúvidas: o nosso destino está ligado aos nossos antigos colonizadores e andar à volta disso é aldrabarmo-nos a nós próprios”, considerou, reconhecendo que o “maior problema” dos angolanos foi não terem juntado a componente branca ao seu sistema político.
“O maior, não digo erro, porque o erro não dependeu dos angolanos, mas o maior problema que nós tivemos foi não juntar a componente branca ao sistema político angolano, como a África do Sul tenta fazer. Há forças que continuam a impedir isso, mas estão a laborar no erro, porque os países modernos africanos têm dois pilares: o pilar tradicional e o pilar europeu. Isso é indesmentível”, afiançou.
“Porque senão eu não estaria aqui a falar português”, concluiu.
Nota: Texto construído a partir de uma entrevista de Marcolino Moco à Lusa em Fevereiro de… 2012.
É pena que só mais de quatro décadas depois se comece, com alguma timidez, a constatar o óbvio. Desconfio contudo que já não se vai a tempo de utilizar, com proveito para Angola, as potencialidades dos tais euro-africanos. Os erros deste tipo sempre se pagam caro. Por isso os “angopulas” estão a ser úteis noutras paragens.